Forte de São Luís – Carta aberta ao cidadão de Florianópolis

24/11/2017 17:53

Trago a público algumas informações sobre o antigo Forte de São Luís da Praia de Fora, de forma a facilitar o entendimento dos cidadãos de nossa cidade sobre o projeto de revitalização da atual Praça Forte de São Luís da Praia de Fora (no local onde existiu a antiga fortificação de mesmo nome), na Avenida Beira-Mar Norte, esquina com a Avenida Mauro Ramos e Rua Bocaiúva, em frente ao Shopping Beira-Mar Norte.

Esta área foi há pouco reconvertida para Área Livre de Lazer (AVL) e batizada com o nome de Praça Forte de São Luís da Praia de Fora, em homenagem ao forte que ali existiu entre 1771 e 1839, por meio de dois projetos de lei que foram aprovados na Câmara Municipal de Florianópolis. A área em questão foi repassada pelo Exército Brasileiro à Prefeitura Municipal para converter-se em uma praça histórica e em um lugar de memória, fazendo referência a uma das fortificações que integraram o antigo Sistema Defensivo da Ilha de Santa Catarina.

No levantamento de José Correia Rangel, de 1786, a bateria de canhões do forte e o seu Paiol da Pólvora aparecem situados junto ao mar, com o Quartel da Tropa, a Casa do Comandante e a Cozinha, localizados numa única edificação mais afastada da praia. O forte possuía então cinco peças (canhões) de ferro, sendo uma de calibre 8 libras e quatro de calibre 6 libras (TONERA&OLIVEIRA, 2015: p. 138-139). Segundo Cabral (1972), o Forte de São Luís foi vendido em hasta pública em 02 de dezembro de 1839 por um “preço menor do que valia a cantaria de seus portões”. Com a demolição do forte, adaptou-se ali uma fonte pública, transformando o local em um largo e posteriormente em uma praça, com área livre para montagens de feiras.

Diante desse histórico, fica evidente que não estamos tratando de uma área comum, de uma praça qualquer, mas de um sítio histórico da mais alta relevância para a história de nossa cidade e de altíssimo potencial arqueológico.  Desta forma,  a urbanização da praça e seu projeto paisagístico necessitam,  obrigatoriamente, serem precedidos de um trabalho de investigação arqueológica, o qual certamente encontrará muitos vestígios da antiga fortificação, sejam eles trechos de estruturas remanescentes dos antigos alicerces de pedra de suas construções, seja também uma grande quantidade de artefatos do cotidiano de vida do antigo forte: armamentos, petrechos de artilharia, louças, vidros, entre outros artefatos. Muitos desses testemunhos arqueológicos poderão e deverão ser incorporados ao projeto paisagístico da futura praça urbanizada, com agregação de alto valor histórico-cultural e turístico para o local e para a região da Beira-Mar, antiga Praia de Fora, a qual, sozinha, já chegou a possuir mais de 10 (dez) fortificações ao longo de sua orla (ver imagem 001, anexa  reproduzida da obra TONERA&OLIVEIRA, 2015: p. 28).

Algumas informações históricas adicionais e imagens iconográficas sobre a antiga fortificação estão disponíveis na respectiva página do Banco de Dados Internacional Sobre Fortificações (www.fortalezas.org). Essa plataforma digital é a única base de dados unificada internacionalmente sobre fortificações e patrimônio fortificado em todo o mundo (fortificações existentes e desaparecidas) reconhecida e chancelada pelo ICOFORT (International Scientific Committee on Fortifications and Milatary Heritage), comitê científico do ICOMOS, encontrando-se disponível publicamente na internet já desde 2008. Para acessar a página específica do Forte de São Luís, click no seguinte link: http://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=19

Numa antiga imagem da praça, disponível na referida página do Banco de Dados, iconografia datada aproximadamente de 1911, pode-se perceber que o “Depósito do Antigo Forte” está contido no atual terreno livre da praça, localizado entre a Rua Bocaiúva e o mar. Essa construção é a mesma que nas demais imagens do forte, também disponíveis na mesma página do website, bem como aqui anexadas, aparece nomeada como “Quartel da Pólvora” (imagem de cerca de 1839), ou “Quartel do Comandante” (cerca de 1876), ou “Alojamento para Oficial e Soldados” (cerca 1778). É também a mesma construção que aparece sem nome específico na iconografia espanhola de 1777, essa última contendo já a medição, feita por nós, das dimensões da bateria de canhões.

Obviamente que um trabalho mais técnico e profissional de sobreposição de todas essas imagens, numa mesma escala, plotadas sobre as aéreo-fotocartas modernas (a mais antiga da cidade é uma de 1939, disponível no IPUF) deixaria ainda mais evidente que as duas construções que existiram no antigo forte (Quartel e Bateria) estavam ambas incluídas dentro da área atual da praça.

Essa sobreposição de imagens iconográficas e cartográficas, poderia ainda ser  complementada por uma varredura de toda a área do terreno utilizando uma sondagem geofísica com o método da eletrorresistividade (mais avançado e preciso que o GPR convencional), confirmando com extrema precisão o posicionamento dos remanescentes dos alicerces de ambas as respectivas construções. Por esse método, e de forma preliminar à escavação arqueológica propriamente dita, se poderá obter uma espécie de “raio-X” do subsolo da praça em 3D, na profundidade que desejarmos, localizando os alicerces da antiga bateria e quartéis, assim como uma infinidade de artefatos arqueológicos (esses espalhados pelo subsolo de toda a superfície da atual praça). Esses dois procedimentos preliminares à escavação (estudo cartográfico e varredura pelo método da eletrorresistividade) já estão previstos no orçamento de R$ 330.000,00 (Trezentos e trinta mil reais), destinado a prospectar 100% (CEM POR CENTO) da área da praça, como requer a importância desse sítio histórico.

O prazo total para a realização de todos esses serviços (estudos preliminares, varredura, escavação arqueológica, educação patrimonial, tratamento de material pós-escavação e liberação da área para as obras de revitalização) é inferior a 45 (quarenta e cinco) dias. Realizamos esse orçamento preliminar com uma das mais qualificadas equipes de arqueologia do Brasil (e uma das melhores do mundo), e, o mais importante, uma empresa especializada em arqueologia de fortificações, pois estamos lidando com o antigo Forte de São Luís.

Assim, estamos apresentando aos cidadãos e autoridades competentes de nossa cidade, dados concretos e objetivos, informações históricas obtidas com rigor científico e orçamentos factíveis e realistas, como deve necessariamente ocorrer num trabalho sério, destinado à execução de uma obra de revitalização em um sítio histórico da importância da Praça Forte de São Luís da Praia de Fora. Entendemos que as informações inverídicas e desencontradas que vêm circulando pelos meios de comunicação local, desmerecendo o imprescindível trabalho de arqueologia que precisa ser realizado preliminarmente naquela área, não contribuem em nada para o bom andamento do trabalho e para a concretização do necessário e desejado projeto de revitalização que todos unanimemente almejamos para aquela praça histórica, a qual certamente muito virá contribuir também para a qualificação urbana e paisagística da Rua Bocaiúva, Avenida Beira-Mar Norte e arredores.

Neste aspecto, quero destacar em especial a informação incorreta divulgada pelo colunista Cacau Menezes, tanto no jornal televisivo do meio-dia quanto em sua página no jornal impresso local, atribuindo o valor de 10 milhões (!!!) de reais aos necessários trabalhos de arqueologia a serem realizados na praça. Penso que os leitores do colunista, seus editores de TV e jornal, assim como todos os demais cidadãos dessa cidade, merecem ser informados do valor correto desse serviço, que repito para que não haja dúvidas: R$330.000,00 (Trezentos e trinta mil reais), valor que pode ser ainda menor (dependendo do processo de contratação). Pesquisa arqueológica a ser executada num prazo recorde inferior a 45 dias, sem nenhum atraso significativo para o cronograma das obras de revitalização do local.

Cabe ressaltar ainda que já existem destinados para o local mais de R$ 200 mil reais procedentes de uma emenda parlamentar do deputado Esperidião Amin (um dos incentivadores do resgate da memória da antiga fortificação e um dos articuladores da transferência do imóvel do Exército para a Prefeitura), além de outros R$ 100 mil reais destinados à praça pelo vereador Afrânio Boppré. Ambos opositores políticos que souberam se aliar pela causa certa, em prol da cidade, como deve ser na administração pública correta, na imprensa comprometida com a verdade e também na área privada consciente de seu dever social.

Portanto, o que precisamos realizar na Praça Forte de São Luís da Praia de Fora não é apenas o ajardinamento e embelezamento de uma praça qualquer (por mais qualificado que esse projeto paisagístico possa vir a ser), pois aquele local não é uma área comum, como as demais praças de nossa cidade. Trata-se do local onde existiu o antigo Forte de São Luís, e que por isso necessita ser tratado de forma diferenciada e qualificada. Local que seguramente ainda guarda a poucos metros abaixo de sua superfície atual (área que nunca foi alterada por aterros ou outros tipos de movimentação de terra) as estruturas remanescentes dos alicerces de pedra do antigo forte e, mais seguramente ainda, uma quantidade enorme de artefatos arqueológicos do cotidiano de vida daqueles que ocuparam a antiga fortificação. E nisso, caros cidadãos, posso apostar os meus 32 anos de experiência como arquiteto especialista em fortificações.

O que necessitamos realizar é o resgate dos remanescentes arqueológicos de uma antiga fortificação do sistema defensivo da Ilha de Santa Catarina, e que se encontram naquela praça adormecidos. E digo isso por experiência prática com o que já ocorreu com outra área semelhante na mesma Beira-Mar Norte, a Praça Esteves Júnior, local onde existiu o antigo Forte de São Francisco Xavier da Praia de Fora, contemporâneo do São Luís, onde diversos canhões foram encontrados “acidentalmente” na década de 1990, durante obras de drenagem. Infelizmente essa praça permanece também até hoje sem nenhum trabalho arqueológico nela realizado.

O que propomos, portanto, não é nenhuma intervenção descabida, nem muito menos milionária. Não se trata igualmente de um trabalho puramente acadêmico (como também já se equivocaram outros desinformados). Os resultados acadêmicos (muito bem vindos, diga-se de passagem) serão certamente consequência e não objetivo primordial dessa intervenção arqueológica. Trata-se sim de uma oportuna ação de resgate do patrimônio cultural de Santa Catarina, carente ultimamente de ações efetivas e eficazes em prol de sua valorização e preservação. Lembremos que centenas de outras áreas urbanas no Brasil e no mundo convivem harmoniosamente com seus achados arqueológicos, incorporados qualitativamente à sua dinâmica cotidiana, como ocorreu com o Cais do Valongo, apenas para citar um exemplo recente, ruínas arqueológicas no centro do Rio de Janeiro que se tornaram atração turística e cultural da cidade, e foram declaradas Patrimônio Mundial pela UNESCO.

O que conseguiremos ao final será recuperar e valorizar os remanescentes arqueológicos de uma antiga fortificação catarinense, incorporando-os adequadamente à atual praça por meio de qualificados projetos de arquitetura e paisagismo, museografia, comunicação visual, iluminação cenográfica, entre outros. Estaremos assim, agregando valor cultural e histórico a uma área desocupada, resgatando para os cidadãos de nossa cidade um “lugar de memória” dos mais significativos, num dos locais mais valorizados “no coração da cidade”, como diz o bordão de marketing do shopping vizinho à praça.

O empreendedor privado que provavelmente irá adotar essa praça, assim como realizar a sua revitalização e, posteriormente, também se responsabilizará pela sua manutenção continuada, deverá ser o Shopping Beira-Mar, empresa que certamente não abandonará essa intenção se lhe forem exigidos trabalhos de arqueologia preliminares ao projeto urbanístico/paisagístico que já está acostumado a patrocinar para outras praças do município. Primeiro por que a pesquisa arqueológica, além de uma exigência legal na liberação de obras a realizar em um sítio histórico do século XVIII, é também, como mencionado, uma necessidade imprescindível e, inclusive, definidora do projeto de revitalização da praça. A investigação arqueológica será rápida (menos de um mês e meio), precisa e objetiva (em função da experiência e capacidade técnica dos profissionais envolvidos e da tecnologia de última geração a ser empregada na prospecção).

O segundo motivo é que, como um empreendedor e investidor inteligente, o Shopping não deixará que nenhuma outra empresa adote uma praça dessa importância na frente de seu empreendimento, seja essa empresa uma concorrente direta ou não, como é, neste último caso, o hotel ali próximo, também fronteiro à praça e igualmente pertencente a outra família tradicional da cidade. E digo isso mesmo sabendo que La Pérouse, o viajante e navegador francês que passou pela Ilha de Santa Catarina em 1785, ao avistar do mar o Forte de São Luís da Praia de Fora, tenha certamente dito que aquela fortificação era verdadeiramente “majestic“: “The Fort of São Luís is really majestic” (salvo engano, na edição inglesa de 1798 de suas memórias). Além disso, o investimento financeiro necessário para a realização da investigação arqueológica é irrelevante para uma empresa desse porte. Ratifique-se ainda que esse investimento, como também já mencionado,  será desonerado em função dos mencionados aportes públicos já previstos e destinados para a Praça Forte de São Luís.

Mas a razão mais importante e fundamental para a manutenção da intenção de adoção da Praça Forte de São Luís pelo Shopping é que o empreendedor passará a ter um retorno de investimento (financeiro e social) imediato, já desde o primeiro dia de escavação, tendo em vista o trabalho de educação patrimonial que será desenvolvido na área (já previsto no orçamento da empresa de arqueologia), com o uso de tapumes semiabertos, com o material iconográfico e cartográfico em exposição no canteiro da pesquisa, com uma possível exposição temática também em uma área no interior do Shopping, entre outras iniciativas. Os estudantes e demais visitantes poderão ser recebidos no local da escavação e quem sabe mesmo num provável ambiente de exposição no interior do Shopping.

Desta forma, tanto durante o tempo da pesquisa de campo, quanto posteriormente à revitalização da praça (com a adequada incorporação dos achados arqueológicos ao projeto paisagístico), milhares de visitantes, turistas e moradores locais, serão atraídos para o local. Não para visitar uma simples praça, igual a tantas outras existentes na cidade, mas sim para conhecer uma atração turístico-cultural, um remanescente do antigo sistema defensivo da cidade, incorporado ao roteiro de visitação das demais fortificações da região. Movimentação de visitantes que com certeza também trará benefícios diretos para o Shopping localizado em frente à praça histórica.

Estamos assim diante de uma oportunidade rara em nossa cidade: a possibilidade de somarmos esforços públicos e privados em prol do resgate da memória de uma antiga fortificação catarinense, diante da oportunidade de valorização de nossa história, da requalificação de uma área pública sem uso, agregando a esse lugar de memória um valor cultural e turístico inimaginável. Estamos prestes a revitalizar não apenas um simples local ajardinado, mas uma praça histórica incorporada ao circuito de visitação das fortificações da Ilha de Santa Catarina, uma verdadeira ação propositiva em prol da memória e da requalificação urbano-cultural de nossa cidade.

Essa oportunidade está agora nas mãos da municipalidade, dos órgãos públicos federais e da iniciativa privada. Em última instância, ela sempre estará também nas mãos de todos nós, cidadãos dessa cidade, conscientes de nossos direitos.

Tendo em vista que estamos hoje entre o dia do músico (22/11), o dia de Cruz e Sousa (24/11) e o dia de Santa Catarina (25/11), gostaria de finalizar dedicando a frase final desse texto a todos àqueles que acham que defender o passado, a memória e o patrimônio histórico e cultural de nossa cidade, estado ou país (compreendidos como fatores indutores e norteadores do desenvolvimento), seja coisa de gente retrógrada e parada no tempo. Assim, parafraseando o grande Paulinho da Viola, esclareço a quem possa interessar:

Não sou eu que vivo no passado. O passado é que vive em mim!!“.

Ilha de Santa Catarina, 24 de novembro de 2017.

Cordialmente,

Roberto Tonera
Arquiteto coordenador do Projeto Fortalezas Multimídia
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
(48) 3721-5118 ou 99963-6324
roberto.tonera@ufsc.br

Veja abaixo algumas imagens do Forte de São Luís da Praia de Fora:

       

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